6 de jun. de 2006

Crianças Invisíveis


Se você gosta de filmes sensíveis, dramas com mensagem e conteúdo, fique de olho quando sair para alugar em DVD Crianças Invisíveis. Concebido com o apoio da UNICEF, na verdade, não é um filme como você está acostumado a ver, com começo, meio e fim. Mas uma série de sete curtas-metragens, cada um de uma nacionalidade, realizado por um diretor diferente, e todos com o mesmo tema em comum: crianças que são invisíveis aos olhos da sociedade. Seja na África, Japão ou mesmo Brasil.
É isso mesmo, tem até no Brasil, em São Paulo mais precisamente. Bilu e João, mostra um casal de garotos que vivem em uns barracos próximos à marginal Pinheiros, onde do outro lado do rio, estão alguns dos prédios comerciais mais luxuosos da capital paulista. É de lá que eles saem pela cidade para catar papelão, latinhas e tudo mais que possa dar algum dinheirinho no ferro velho.
Logo no começo, João é interceptado por uma turma de garotos envolvidos com o tráfico, todos com tênis nike, tentando induzir o garoto ao mau caminho. Pensei que a trama do curta ia ser mais pra esse lado Cidade de Deus, já que a diretora do segmento, Kátia Lund, foi quem co-dirigiu o longa que deu quatro indicações ao Oscar para o Brasil. Mas isso é deixado de lado, não há muito das tentações para desvirtuar o casal título da história. Em compensação, vemos uma historinha simpática, de crianças humildes e genuinamente brasileira, que desde pequenas aprendem a se virar nas ruas. Claro, que no caso do curta, sobrevivem em meio ao mundo cão da maior cidade do país. O resultado é simpático.
Mas há segmentos não tão bem sucedidos. O primeiro, Tanza, é salvo pelo final, tocante, de um garoto que preferiria trocar a metralhadora por um lápis e um caderno numa sala de aula. Rodado em Burkina Faso, na África, mostra jovens envolvidos nas constantes e intermináveis guerras civis. Nada fica muito claro, a não ser o final, bacana. Mas bem que o diretor argelino poderia ter deixado eles falando entre si em seus dialetos locais. Não precisaria nem de legenda. Mas esse inglês claudicante das crianças não ficou legal e tirou parte da naturalidade. O ‘gancho’ do garoto que não tira o tênis pra nada também poderia ter sido mais bem explorado.
O episódio italiano, Ciro, também é meia boca. Mostra que jovens trombadinhas existem até mesmo no dito 1º Mundo. Mas perde-se tempo num corre-corre desenfreado, onde o cachorro que o perseguia também é descartado de forma tola. Vale pela discussão entre adultos no meio da rua, de que o problema de crianças delinqüentes, como em qualquer outro lugar, é muito mais embaixo e complexo do que aparenta (aqui no caso, origina-se por pais violentos). E pelo final, num parquinho, que mostra que são delinqüentes sim, mas ainda crianças.
Mas o mais detestável foi o segmento inglês, Jonathan, dirigido por Ridley Scott e sua filha. David Thewlis (o Professor Lupin, de Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban) faz um fotógrafo atormentado pelas imagens que fez dos órfãos do Leste Europeu. O cara dá uma surtada, saí correndo no meio do mato, vira criança, e se junta a outros garotos, que presenciam a tristeza dos esquecidos de um pós-guerra. Tem a marca-registrada visual do diretor de Blade Runner, mas é uma chatice enorme, pretensiosa e decepcionante.
Tem um engraçadinho, que fica no meio termo, chamado Blue Gypsy. Dirigido pelo bósnio Emir Kusturica, mostra um garotinho preso numa espécie de Febem. Ele é de uma família de ciganos, todos picaretas, e que não tem vontade nenhuma de sair do reformatório. Afinal, lá dentro, ele estava protegido por guardas, colegas e o diretor da instituição. Lá fora não! Consegue divertir e passar a mensagem.
E os melhores eu deixei pro final, claro…. pra criar uma expectativa! ehehe
O meu preferido foi Jesus Children of America, do Spike Lee. Ele faz o que sabe fazer de melhor, contar uma história com grande crítica social, alfinetando todos que tiverem ao seu alcance. Muito bacana mesmo, dá um baita de um nó na garganta, ao ver uma menina, filha de pais aidéticos, ser zoada em pleno pátio da escola por todas as outras coleguinhas. Não bastasse todas as amigas com iPods, PSPs e bugigangas eletrônicas do tipo, ainda lhe jogam na cara que os pais são junkies, drogados e soro-positivos. Lee não esquece de cutucar Mr Bush (pai e filho), ao colocar o pai na situação de um ex-combatente da operação Tempestade no Deserto, na primeira invasão americana ao Iraque, na Guerra do Golfo. O curioso é que, ao mesmo tempo em que o problema é situado nas ruas do Brooklyn, não foge muito a nossa realidade. É um problema tão longe, e ao mesmo tempo tão próximo. Digo isso, porque aqui em Santos, litoral de SP, já foi durante muito tempo a cidade com maior numero de infectados com o HIV. Imagine quantas crianças devem existir por aqui em situação de invisibilidade semelhante ao que o filme propõe. Pra mim, foi o melhor.
E o último da coletânea, mas não menos importante, é o Song Song and Little Cat, dirigido por John Woo. São duas meninas de idade semelhante, uma rica, outra pobre. Uma cheia de bonecas lindas e caras (mas não está nem aí para elas), e a outra morando num cortiço, sem espaço para brincadeiras. A pobrinha foi abandonada embaixo de uma ponte, e criada por um homeless, catador de coisas. A outra riquinha sofre com a recém separação dos pais (ela é invisível para a mãe). A ligação entre elas é uma das bonecas, que a rica joga pela janela do carro, e o “avô”, como a outra o chama, encontra no meio da rua e lhe dá de presente. Até que um dia, esse velhinho sofre um acidente à la Central do Brasil, o que fará com que ambas garotas venham a se encontrar futuramente, por obra do acaso.
E é com esse belo curta de Hong Kong que Crianças Invisíveis acaba, deixando no espectador uma sensação melhor do que realmente foi a experiência, irregular, como natural do gênero episódico.

2 comentários:

Anônimo disse...

Oi Felipe,

Gostei muito de Crianças Invisíveis e também de sua crítica.
Realmente o do fotógrafo que parece querer ser o mais "vianjante/filosófico" pra mim foi o mais fraco, mesmo com a bela fotografia que apresentou...
O brasileiro mostra bem nossa realidade ea menininha é uma graça.
E o que é aquele Song Song... nossa! Esse conseguiu me emocionar profundamente. Adorei.

bjinhosss

Vanessa Medeiros

Anônimo disse...

Das japinhas e o da AIDS são os melhores!
beijos